quinta-feira, 4 de março de 2010

O Princípio de Inconexão


O Princípio de Inconexão
Traduzido e Adaptado por Thiago Novaes
O fracasso do modelo dos .com, no fim dos anos noventa, mostrou a inocuidade da abordagem estritamente comercial sobre as redes, e que as comunicações em rede e as atividades sociais associadas nunca se exprimem em termos quantitativos ou mercadológicos. Ao contrário, o interesse de um esquema epistemológico tendo a cultura como recurso, não uma mercadoria, é o de privilegiar de fato a sua diversidade, mostrando que nenhuma empresa cultural pode prosperar em uma situação de monopólio. Com respeito a isso, assim como outros recursos, a “Net cultura” deve ser protegida, de maneira duradoura, isto é, faz-se importante administrar espaços autônomos no interior dos quais indivíduos e grupos possam desenvolver livremente suas atividades. Para isso, as infra-estruturas técnicas da rede e sua disponibilidade não são suficientes. A hermenêutica empresarial é vã e inoperante. Dar conta das condições sociais e culturais nascidas das tecnologias do digital exige voltar a atenção para a emergência de novos setores de atividades, e compreender como o fenômeno das “indústrias criativas” ilumina o problema da durabilidade das redes.
Multitude, Rede, Cultura
A Net cultura está submetida a um fluxo permanente, mas não linear, senão no que concerne ao aumento aritmético, tanto absoluto quanto relativo, de usuários do mundo não ocidental - “uma virada cultural” que a maioria dos experts ocidentais da Internet ainda não se deu conta. Sem denunciar um pretendido declínio mercantil da Internet, nem sacralizá-lo como sublime espaço de interconexão de todas as sinapses humanas, o ponto de vista pragmático tem interesse nas variantes induzidas pelo desenvolvimento de aplicações tais como wikis, o p2p, e outros web blogs, que juntos reconfiguram permanentemente o campo das novas mídias. Isso implica em comprometer uma “culturalização” da Internet, a qual não é um processo neutro, mas vem acompanhada de uma globalização e de uma administração por parte da população. Não se trata de forma alguma, de controlar as pessoas, mas de integrar democraticamente comunidades diferenciadas. A performatividade cultural constituindo precisamente a lógica fundamental de toda vida social efetiva.
Diferentes empresas de doutos, entre o estudo das interações homem/máquina e aquele das novas mídias e seus usos, reivindicam a compreensão da chegada de uma tal virada cultural. Ora, a urgência se faz cada vez maior no sentido da integração dos saberes “soft” ao núcleo duro dos profissionais de tecnologias da informação, ao menos dentro do setor educativo. Porque hoje este saber não está senão fragilmente adaptado às tecnologias das redes. As rivalidades internas das instituições, assim como entre as disciplinas existentes, impediram no setor universitário qualquer verdadeira inovação. Assim, enquanto o mundo acadêmico teve um papel primordial no desenvolvimento da Internet, ele perdeu ao longo dos últimos anos um terreno considerável, que tenta agora preencher propondo aqui e ali alguns programas de estudos aplicados à informática dos jogos. Ainda em 2005, o estudo dos equipamentos de mobilidade estava embrionário. De fato, um aspecto importante do processo de “culturalização” das redes seria estudar em detalhe a maneira pela qual os usuários reticulares se constituem, a partir das “fricções produtivas” entre as dinâmicas inter-humanas e do quadro pré-determinado da indústria de software. Nesse sentido, a dinâmica social que se desenvolve no seio das redes não é um detalhe, mas algo essencial: as redes não estão transferindo dados, mas a contestação dos sistemas.
A Internet não é uma formação social representável a maneira de uma tribo primitiva. As metodologias centradas sobre o usuário tendem a ofuscar as mudanças que tiveram lugar no nível das infra-estruturas, dos softwares, das interfaces, das organizações. As bruscas mudanças ocorridas no seio do mercado eletrônico são insuficientemente levadas em consideração, assim como os conflitos mundiais concernindo os regimes de propriedade intelectual. Seguido do apagamento da distinção entre “micro-abordagem” em torno do usuário, e uma “macro-abordagem” aberta ao conjunto da sociedade, devemos pesquisar os elementos que permitiriam conceber uma teoria das redes fora dos Estudos Culturais pós-modernos ou das ciências sociais e da etnologia. O estudo das novas mídias requer uma “linguagem das novas mídias”, para citar Lev Manovitch, e não uma “teoria geral das redes” girando em torno das disciplinas e saberes estabelecidos.
Os teóricos da “multitude” são os que tratam das noções de usuário ou de rede de maneira mais interessante. O termo “multitude” é empregado como alternativa àquele de “povo”, que associamos tradicionalmente ao esquema Estado-Nação. Análoga à idéia de “prosommateur“, que os estudos culturais substituíram por aquela de consumidor, a idéia de multitude exprime uma diversidade radical da população ativa, opondo-se às noções homogêneas e fixas de “classe” ou de “proletariado”, e serve para descrever as formações sociais que tiveram desde então lugar no mundo globalizado. Organizações militares, movimentos sociais, negócios, fluxos migratórios, sistemas comunicacionais, estruturas psicológicas, relações lingüísticas, neurotransmissores, e mesmo relações pessoais: as redes distribuídas são uma condição primordial da vida social e política. Ora, o esquema das redes altera todas as facetas do poder, especialmente no ponto de vista da eficácia de suas regras de exercício, as inter-relações distribuídas e extremamente propícias a todo tipo de mutações sociais e culturais. O objetivo principal de uma rede é fundamentalmente interno, e sua organização um fim em si não um meio. Os conflitos que nutrem as redes colocam em questão o conjunto das figuras organizacionais conhecidas, partidos políticos, movimentos sociais, e mesmo essas formas institucionais residuais como as Organizações Não Governamentais (ONG). Sem eliminá-la totalmente, as redes alteram a autoridade e tornam quase impossível a menor tomada de decisão. Elas desconstróem o poder e sua representação, e não se deixam simplesmente instrumentalizar por qualquer grupo que se auto-proclame de vanguarda, que seja. Assim, paradoxalmente, as redes impedem numerosos acontecimentos de surgirem, produzindo precisamente sua própria política. Se as redes dissolvem, todavia, certas figuras de poder, hierarquias e burocracias, elas trazem também um novo regime que Gilles Deleuze chamou de “sociedade de controle”: alterando constantemente a estabilidade das fronteiras entre dentro e fora, elas suscitam uma impressão de liberdade que tem lugar na vida cotidiana enquanto centros de controle dos operadores sociais.
Não tendo nenhuma necessidade das redes, o capitalismo se satisfaz com uma transferência fluida de dados que lhe importa, isto é, importa-se com uma distributividade sem reticularidade. Ora, as redes se caracterizam hoje pela inconexão: não haveria roteamento se não houvesse múltiplos obstáculos sobre a linha. A polupostagem, os vírus, a usurpação de identidade não são erros acidentais, simples incidentes sobre a via da perfeição tecnológica, mas elementos constitutivos da arquitetura reticular que conhecemos. As redes elevam tanto os isolamentos da informalidade quanto o nível de ruído orquestrado pelos tagarelas, a incompreensão, e uma infinidade de erros humanos. E não será a obsessão das elites ocidentais e das mídias de massa em focar sobre os fundamentalismos que permitirá enfrentar os rumos e tensões que englobam a sociedade reticular de hoje. Decorrência de uma crença na ilusão de um “estrangeiro” ou de um “fora” hostil à civilização global – capaz, contudo, de infiltrar-se com inteligência em sua infra-estrutura. O moralismo não se interessa de fato por opiniões, e é aí que o discurso clássico sobre a sociedade reticular encontra seus limites. A razão é que a teoria das redes é incapaz de integrar – e mesmo imaginar – pontos de vista exteriores. Ora, as redes constituem ambientes tecnológicos e sociais complexos, desafiando todo reducionismo simplista, e formam em grande escala dispositivos de transformação, senão de aniquilação do poder.
Teoria da Livre Cooperação
Os mundos acadêmicos e do jornalismo reduzem com freqüência o potencial da Internet por não representar mais que um meio adicional de publicação, outra edição da imprensa. Mas a Internet não serve somente à autopromoção e não foi concebida com esse objetivo. Na imensa maioria dos casos, seus usuários interagem e trabalham juntos em tarefas específicas, trocando on-line opiniões e bens. Ou bem se ajudam mutamente a resolver dificuldades técnicas e escrevem juntos códigos. O que define a Internet é, portanto, sua arquitetura social. É o ambiente vivo que conta, a interação, não os processos de armazenamento e acesso à informação. Dos telefones móveis ao correio eletrônico, dos jogos em rede às listas de discussão, dos blogs aos wikis, nossa vida cotidiana está cada vez mais invadida por essa tecnologia. A exigência de questionar o que acontece quando colaboramos no coração dos canais através dos quais nos comunicamos irá logo se manifestar. A que independência podemos nos pretender e como acreditar em nossa liberdade no contexto de uma colaboração reticular? Como gerar coletivamente ou se apropriar de um recurso compartilhado como uma rede?
É importante encontrar as palavras para falar das diferenças e poderes existentes no interior dos grupos e equipes. Ou das redes de ocasião. Se é necessário insistir na liberdade de irromper, a todo momento, uma colaboração, não se trata de forma alguma de privilegiar a hipótese de um ato soberano dos usuários de rede. A inconexão é um a priori, o fundamento mesmo de todas as atividades on-line: sem poder de desconexão, elas não passam todas de mera alienação. Devem ser compreendidas, portanto, como simples potencialidade entre outras, não como um fim em si. A questão da colaboração assim se segue e não deve ser reduzida a um problema técnico de organização do trabalho. Assim, uma teoria da experiência individual e coletiva deve poder reconhecer que existe uma liberdade absoluta na recusa em colaborar. Uma estratégia de fuga deve ser pensada como constitutiva das atividades reticulares. Qual é, contudo, o valor da idéia de “recusa”? Essencial à compreensão do fato colaborativo, a questão da “livre cooperação” postula aquela de seu fundamento.
Em a “Gramática da Multitude” Paolo Virno se detém a descrever a “natureza da produção contemporânea”, e as questões que sustenta surgiram mesmo em torno do ato de “recusa”. Existe colaboração se decidimos viver reduzindo nosso trabalho? Ou não é necessário dissimular essa etapa decisiva da “recusa”, para evitar esse anarquismo individualista que aniquilaria toda possibilidade de colaboração? “A riqueza social é produzida pela ciência, escreve Paolo Virno, pelo intelecto geral bem mais que pelo trabalho completado pelos indivíduos. O trabalho requisitado parece redutível a uma porção virtualmente negligenciável da vida. Ciência, informação, conhecimento geral, cooperação, esses são os pilares essenciais de um sistema de produção – e não tanto o tempo de trabalho“. Isso coloca a cooperação em uma posição excepcional. Nem regra nem condição para o cotidiano, ela é rarificada, incerta, e sempre sob o ponto de vista da dissolução. Para Paolo Virno, não existe quase nenhuma diferença entre tempo de trabalho e tempo de não-trabalho. De onde a incerteza (e a curiosidade) sobre o fato colaborativo. Quais são as ações, os trabalhos, os gestos, as concepções, que restam totalmente refratárias a esse fato da colaboração? A oposição do gênio solitário à equipe multidisciplinar não tem nenhuma pertinência. De fato, é a maneira como são conduzidas as negociações no interior de cada economia particular de “créditos” que está em jogo. Quais são os traços visíveis de uma colaboração? Os princípios distributivos daquilo que retorna propriamente a cada um podem ser renegociados ao longo do percurso colaborativo, ou a divisão do trabalho terá sido determinante desde o primeiro momento? A gregalidade torna difícil, ou impossível, erigir uma colaboração virtuosa, mas não é certamente a sociedade que traz obstáculos à visibilidade da individuação: o ponto crucial é aquele do método de avaliação.
Ora, de fato é cada vez mais difícil distinguir os fenômenos de colaboração daqueles de não-colaboração. Ou ainda distinguir entre a necessidade de trabalhar em grupo e o desejo de sair do isolamento do trabalho individual. Para muitos artistas das novas mídias, colaborar constitui uma exigência absoluta, porque um indivíduo não possui todo o conjunto das competências necessárias para a criação visual, de imagens 3D, músicas, montagens, performances, e, a fortiori, dominar o conjunto do processo criativo em termos tanto financeiros como de recursos humanos. De onde vem a questão da “economia do reconhecimento”, e de saber se as obras são produzidas sob o nome de um artista único ou de acordo com a realidade, sob o nome de um grupo.
Quanto mais trabalhamos on-line, mais importa conhecer as arquiteturas técnicas e sociais das ferramentas que empregamos. Atenta ao advento de uma nova economia cultural, as indústrias criativas forçam à colaboração e ao recorte. Depois de tudo, a inovação econômica reticular é um dos princípios da multitude. Nas novas mídias, a engenharia informática, a arquitetura de sistemas e o design constituem um trabalho em equipe cuja compreensão resta até hoje aproximativa. E a batalha para o reconhecimento do trabalho colaborativo dentro de setores como a literatura, as artes visuais, ou do mundo acadêmico não está certamente terminada. As instituições relutam a trabalhar com estruturas sociais informais, porque as responsabilidades parecessem se diluir. É preciso distinguir entre redes organizadas e organizações em rede. É relativamente fácil estabelecer organizações em rede e começar colaborações entre instituições. O verdadeiro gargalo está na transmutação desse modelo para o de rede organizada, de maneira que as comunidades autenticamente virtuais não possuam interface direta com o mundo real. Mas é essa interface entre mundo real e virtual que condiciona cada tipo de colaboração. Muitas vezes o trabalho on-line é nele mesmo ineficaz e lento, sobretudo quando colaboramos em um projeto complexo com um grupo disseminado pelo mundo. É quando uma rede informal adquire uma massa crítica que o fenômeno colaborativo se torna particularmente interessante. Ora, é extremamente difícil para organizações descentralizadas e autônomas, acostumadas à fragmentaridade, atender a uma escala de grandeza que permita se consolidar em estruturas duráveis. Que pequenos grupos dispersos convirjam para formar um movimento social mais ou menos vasto e “criem o acontecimento” - para falar como Alan Badiou – é coisa excepcional: as colaborações individuais não têm por destino criar acontecimentos históricos.
O interesse que temos sobre “os novos movimentos sociais” já está talvez ultrapassado. A noção de “movimento” recobriria uma grande unidade e uma continuidade inapropriada sobre os fenômenos contemporâneos de rua ou da Net. Não há movimento sem calendário, sem memória coletiva ou eventos marcantes. O termo exprime sem dúvida e adequadamente a idéia de diversidade política e cultural, mas implica também uma promessa de continuidade, e com ela a hipótese que podemos suspender seu declínio e seu desaparecimento. A energia do Acontecimento que pode dar velocidade e orientação a um movimento não deveria jamais se esgotar. Na verdade, as multitudes constituem uma categoria eminentemente problemática, não para o capitalismo ou a “sociedade de controle”, mas para as multitudes elas mesmas. Não nos acostumaremos com isso devido ao fato de que não existe nada como uma Consciência Coletiva, mas somente aglutinações refratárias da Grande Resolução. A fragmentaridade não é uma agonia romântica, mas a condição primordial da vida política contemporânea, cuja condição reticular não faz senão transcrever mais além o processo em termos de software ou mesmo em estruturas de bases de dados.
Tecnicamente falando, toda rede é organizada. Fundadores, administradores, moderadores e membros ativos desempenham cada um seu papel específico. Uma rede consiste em relações móveis cuja disposição está a todo instante configurada na “exterioridade constitutiva” da retroação ou do ruído. A ordem das redes está assim formada de um continuum de relações governadas por interesses, paixões, afetos e vários constrangimentos práticos que afetam os diferentes atores. Uma rede de relações não é assim jamais estática, se bem que não deva ser tomada tampouco como uma espécie de fluxo perpétuo. Ainda em gestação, a teoria das redes organizadas não implica nem em sua desconstrução, nem em postular que estão instaladas no coração de um dispositivo técno-midiático que as torna inadequadas e invisíveis às mídias tradicionais e aos poderes políticos em exercício.
Não existe rede, portanto, fora da sociedade. Como toda entidade técno-humana, as redes são atravessadas por arranjos de poder, notadamente porque elas entravam seu exercício à medida que criam suas próprias condições. A hierarquia dos poderes opera sem dúvida sobre muitas esferas, evidenciando os limites das redes localizadas e criando cabeças de ponte com estruturas operatórias transnacionais. Ora, pouco importa sua inocuidade, uma rede provoca sempre seu lote de diferenças. Traduzindo em termos de redes organizadas, o percepto foucaltiano “todo poder é produção” se diria: “potência de invenção”. Assim, a midialogia é definida por Régis Debray como uma prática de invenção inscrita no interior do sistema sócio-técnico das redes. Enquanto método colaborativo de crítica imanente, ela parece uma multitude de elementos constitutivos de uma rede de relações traindo sua coalescência em torno de problemas determinados ou de paixões desenfreadas. Tal é, desde então, a variabilidade entrópica das redes, que elas enfrentam permanentemente frente às tentativas de comando e controle que sofrem.
A ontologia clássica do “usuário”, de algumas maneiras, reflete uma lógica capitalista desatualizada. “Usuário” se diz efetivamente por excelência da instância, procurando fugir de todo sistema rígido de regulação e controle, e causa cada vez mais eco sobre as noções de “autoconfiguração” e “autoinvenção”. Pretendendo que um usuário não seja nunca mais que um consumidor silencioso ou satisfeito, cria-se uma instância de controle por meios derivados. “Usuário” designaria então um ectoplasma aspirando a escorregar no tecido espectral da cultura de mercado e do digital, forte em suas promessas de “mobilidade” ou de “abertura”. Mas não nos enganemos: a sociabilidade está intimamente inscrita na variação dinâmica das técnicas desenvolvidas pelas potências capitalistas. As redes são onipresentes e pedem a descoberta de um espaço e tempo novos nos quais a vida possa se instalar sobre modos então éticos e estéticos.
O Crepúsculo das Redes Organizadas
Se browsear, olhar, ler, esperar, pensar, apagar, conversar, zapear ou navegar formam o conjunto da condição padrão de uma vida on-line, um engajamento total levaria à loucura. O que de fato caracteriza as redes é um sentido partilhado de uma potência que não requer atualização – se cada enunciado devesse ser sistematicamente replicado, de indivíduo a indivíduo, nenhuma rede sobreviveria! Toda rede repousa então sobre um tempo relativamente longo de interpassividade, interrompido por sobressaltos de interatividade. As redes encorajam e replicam as ligações completamente relaxadas – e a isso deve-se prestar essencial atenção. São como máquinas hedonistas produzindo promiscuidade. As multitudes reticulares engendram então em formas temporárias e voluntárias de colaboração que transcendem, mas não interrompem necessariamente, a Idade do Desengajamento.
Deveríamos por esse fato interpretar a idéia de “rede organizada” como uma nova proposição destinada a substituir a noção problemática de “comunidade virtual”. Ela deveria permitir afrontar a questão das relações internas de poder das redes, e romper com os mecanismos invisíveis próprios a era do consenso. As redes organizadas são nuvens de relações sociais no seio das quais o desengajamento é levado a seu paradoxo. Enquanto a idéia de comunidade recobre uma construção idealista supondo ligações e harmonia, onde freqüentemente nada permite postulá-la, as redes prosperam sobre as costas da diversidade e do conflito (a inconexão), não sobre aquela da unidade. É precisamente isso que os teóricos das comunidades não perceberam. Para eles, o desacordo não é senão a ruptura dentro de uma continuidade “construtiva” do fluxo dialógico. Porém, refletir sobre a desconfiança como um princípio construtivo demanda mais esforços. A indiferença recíproca na qual se mantêm as redes se mostra uma razão suficiente para sua desorganização, e não são simples categorias idealistas como “interação” ou “engajamento” que permitirão considerar a medida do problema que isso constitui.
O conceito de rede organizada apresenta então um interesse estratégico. Depois de uma década de “mídias táticas”, é chegada a hora de extrapolar as práticas operatórias das “mídias radicais”. Confortavelmente instaladas em uma lógica de micro-denúncia orientada, as mídias táticas não procuram senão reproduzir a dinâmica espacio-temporal do capitalismo pós-fordista e seu “curto-prazo”. Privilegiando uma crítica puramente pontual dos sistemas sociais e políticos, as mídias táticas guardam uma afinidade com aquilo a que se opõem, fazendo-se objeto de uma bem-vinda tolerância. Para eles, toda reivindicação deve se perder no sistema, constituindo apenas um inconveniente temporário ou uma breve interferência. Funcionando de maneira análoga aos modders da indústria dos jogos, elas oferecem, gratuitamente, seu conhecimento sobre as falhas do sistema: pontuando os problemas, deixam ao mesmo tempo a partida. Com o que o capitalismo fica contente, felicitando-se com a ingênua disponibilidade de sua ferramenta crítica!
A emergência das redes organizadas surgiu de uma guerra da informação, cujo arranjo se volta hoje em dia para o tema da “durabilidade”. As redes organizadas estão efetivamente forçadas a inventar os modelos de durabilidade excedendo a implementação de vagos planos de ação institucional, condenados geralmente a desaparecer no esquecimento dos “Estados-membros” ou das “empresas cidadãs”.
Uma rede organizada é uma formação “híbrida”: parte mídia tática, parte formação institucional, e se distingue por uma lógica institucional integrada à estrutura sócio-técnica das mídias de comunicação. Isso significa que não há fórmula universal suscetível de exprimir a maneira pela qual uma rede organizada poderia inventar suas condições de existência. Terminaremos talvez por comparar ponto a ponto as redes organizadas e as organizações em rede. Difícil síntese, porque se constatamos uma vaga “convergência” do caráter informal das redes virtuais e do caráter formalizado das instituições, ela se afirma boa e harmoniosa. Conflitos entre redes e organizações são por toda parte visíveis. É que toda multitude reticular se consolida ao mesmo tempo em que se desloca. É ingênuo acreditar, nessas circunstâncias, que as redes vão necessariamente prevalecer sobre as instituições, por assim dizer. Sua concorrência com as instituições estabelecidas declina assim em termos de uma parte de imagem de marca e de construção de identidade, e de outra parte – principalmente – de espaço de produção de saberes e desenvolvimento de idéias. Aí reside o verdadeiro potencial das redes virtuais, mesmo que se hesite em ainda a integrá-lo nas negociações administrativas concernindo orçamentos, bolsas, investimentos e recrutamentos. Razão pela qual, precisamente, necessita-se de uma forma própria de organização, e sobrepor-se a três dificuldades maiores: responsabilidade, durabilidade e extensividade.
A Grande Aposta das Redes
Comecemos pela questão de saber quem as redes representam, e que formas imanentes de “democracia” elas recobrem? A escalada da informática comunitária como objeto de pesquisa e como arquitetura de projeto poderia ser percebida como uma plata-forma exemplar de tratamento dessa dificuldade. Qual seja o interesse que a informática comunitária tenha para construir projetos “a partir da base”, uma parte substancial das pesquisas nesse domínio se concentra sobre a questão da e-democracia. Ora, já é tempo de dissipar a ilusão de que os mitos da democracia representativa poderiam de alguma maneira serem transferidos e reproduzidos sobre uma cena reticular. Afinal, aqueles que tiram benefício de tentativas como a Cúpula Mundial da Sociedade da Informação (WSIS) pertencem em sua maioria aos circuitos institucionais e financeiros clássicos, não são aqueles supostamente representados em tal processo. As redes apelam realmente para uma nova lógica política global, e não para que se remeta a um punhado de ONGs autoproclamadas “sociedades civis globais”. Se as redes formalizadas tradicionais contam com “membros”, não é o caso da maioria das iniciativas on-line, porque evidentemente, as formas tradicionais nelas estão desintegradas. Tendo a virtude de “desconstruir” a sociedade, as redes revelam a profundidade das ligações de que se alimentam. Sua finalidade seria então cristalizar e disseminar alguma coisa como um novo “princípio hegemônico” - que exigirá dos pioneiros das próximas inovações tecnológicas e sociais paciência e crítica constante de suas modalidades operatórias as mais secretas.
As redes não são efetivamente instituições democráticas ou representativas; elas requerem a invenção de modelos de decisão “pós-democráticos” capazes de superar o arquétipo clássico da representação e das políticas identitárias a elas associadas. O tema emergente da democracia não-representativa permite focar no processo antes que seus efeitos consensuais. Ora, se há qualquer coisa de atrativa na formas “orientadas no processo” da governança, o modelo processual não tem realmente interesse no que concerne à integração reticular de uma pluralidade de forças disseminadas. As questões fundamentais permanecem colocadas: qual o verdadeiro objeto de uma rede? Sua durabilidade? Por que mesmo a começamos? Quem fala? Com qual interesse? Para responder a essas questões, é preciso se interessar pelas forças vitais que compõem o meio sócio-técnico das redes organizadas, de onde resultam sua variabilidade e suas incertezas, e com efeito, a permanência dos conflitos e desacordos deve ser presumida como modalidade operatória subjacente e irrefutável.
Por isso as redes organizadas estão cada vez mais interessadas na questão de sua própria durabilidade. Efêmeras em aparência, elas são essencialmente chamadas a durarem. Os grupelhos ativos desaparecem sem dúvida, mas se mudam para uma “Vontade de Contextualização” onde é difícil fazer economia. Porque a morte dos hiperlinks não significa o desaparecimento dos dados para os quais apontavam. As redes permanecem, todavia, extremamente frágeis. Colocadas face ao desafio de sua organização, elas acusam uma tendência à autodestruição que elas abordarão somente a partir de uma autêntica capacidade para definir seus próprios sistemas de valores, aos quais devem dar uma amplitude e um sentido adequados voltados para as operações internas do complexo sócio-técnico em que participam. Tendo desejo de evitar todo perigo de guetização, a solução seria fazer funcionar, à medida de sua crença, sistemas axiológicos colaborativos capazes de fazer frente às dificuldades ligadas ao seu financiamento, aos arranjos internos de poder, à exigência de responsabilidade e transparência que as acompanha. Porque as redes organizadas têm como primeira tarefa a de preservar a ordem de seu habitat virtual, mesmo que ela não aconteça, mas sempre de maneira a se sujeitar a uma economia monetária que prolongue de fato as raízes de sua própria história. Idealmente, numerosos projetos on-line se apóiam sobre um espírito comunitário e são capazes de mobilizar “gratuitamente” as competências necessárias. Porém, quanto mais nos afastamos das origens, mas existem chances de que o trabalho deva ser remunerado. As redes organizadas devem afrontar essa realidade econômica sob o risco de se verem marginalizadas, qual seja o estado de avanço de sua configuração dialógica e de seu uso das infra-estruturas. O essencial de suas preocupações deve concernir à determinação de seu financiamento durável.
Terminemos com o que constitui talvez o aspecto menos tematizado dessa durabilidade. Por que é difícil às redes chegarem a uma escala crítica? Elas parecem todas acusar uma tendência inerente à dispersão e à miríade de micro-conversações, mesmo os blogs que mobilizam os “softwares sociais” complexos aos quais se conectam milhões de indivíduos no mundo. As listas de discussão eletrônicas não parecem elas mesmas poderem exceder alguns milhares de destinatários antes de se esgotarem sob os efeitos pesados da moderação. A medida ideal para uma discussão aprofundada e aberta parece sempre dever se situar em torno de cinqüenta a quinhentos participantes. Que sentido tem isso para as multitudes reticulares? A questão seria: em que medida se trata de um problema de software? Quais seriam os respectivos papéis dos homens e mulheres implicados na concepção dos novos códigos informáticos? Podemos conceber as conversações em grande escala que não tenham somente sentido, mas igualmente impacto? Que culturas em rede estão suscetíveis de transformar profundamente as grandes instituições existentes?

domingo, 13 de dezembro de 2009

praia do diogo bahia


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saudade desse lugar...quero voltar lá com voce!

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

asfalto listrado


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segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Imagens Irrecuperáveis


Mais um laboratório aberto...
Apareçam!

ATELIÊ MULTIMEIOS

SESC Pompeia

Dia(s) 15/09, 16/09, 17/09
Terça, quarta e quinta, das 19h às 21h30.

Essa oficina visa explorar os limites físicos das fotografias digitais. Vamos descobrir como a recuperação de dados perdidos pode alterar a formação das imagens digitais e depois vamos tentar recuperar impressoras inkjet defeituosas para gerar imagens de arquivos mal recuperados.Duração: 3 encontros. A partir de 16 anos. 15 vagas. Orientação: Lu Arembepe e Guilherme Maranhão.

terça-feira, 14 de julho de 2009

abaixo-assinado - pela inclusão do lixo eletrônico na política nacional de resíduos sólidos

repercutindo aqui. espalhem, por favor...

http://www.lixoeletronico.org/manifesto

Tramita em Brasilia, na Câmara dos Deputados, o projeto de lei (PL
203/91) que irá definir a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Sem
qualquer consulta ou justificativa plausível, um "grupo de trabalho"
alterou a redação do artigo 33, que regulamenta a logística reversa e
a reciclagem, e retirou a menção aos produtos eletro-eletrônicos. Com
essa alteração, o projeto de lei que deveria criar a Política Nacional
de Resíduos Sólidos passa a ignorar a existência do lixo eletônico,
problema crescente e de alto custo sócio-ambiental.

Por esta razão o Coletivo Lixo Eletrônico toma a iniciativa de
pressionar os deputados e senadores para a re-inclusão dos produtos
eletro-eletrônicos no PL 203/91 através da criação e divulgação do
"Manifesto Lixo Eletrônico: pela inclusão dos produtos
eletro-eletrônicos na Política Nacional de Resíduos Sólidos".

http://www.lixoeletronico.org/manifesto